segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Cultura Marajoara,segundo Denise Schaan

Amazônia antes de Cabral

A Ilha de Marajó ainda é um tesouro escondido. E sua História ainda jaz nas profundezas dos Cacicados e Sambaquis. Quero socializar este texto de Denise Schaan, pioneira nas descobertas do Cacicados e Sambaquis. Inclusive em meu município de Curralinho existe um SAMBAQUI, descoberto por essa ilustre estudante da arqueologia.

Por volta do ano 1.000 depois de Cristo, sociedades hierárquicas e populosas estavam estabelecidas ao longo das margens do rio Amazonas e seus principais afluentes. Explorando de maneira intensiva os recursos aquáticos e desenvolvendo agricultura nos solos férteis da várzea amazônica, aquelas populações desenvolveram complexas instituições sociopolíticas e uma rica cultura material.
Pesquisas arqueológicas recentes têm demonstrado que sociedades extensas, hierárquicas e sedentárias ocuparam também a terra firme, fazendo parte de complexas redes de troca à longa distância. As trocas uniam as sociedades Amazônicas e estabeleciam contatos que explicam as semelhanças culturais entre elas, expressas principalmente na produção da cerâmica e na arte rupestre. Objetos e instrumentos de pedra, como machados de basalto e granito e adornos de jadeíte e nefrite circulavam como bens de prestígio, unindo as elites indígenas regionalmente.

Arqueologia da Ilha de Marajó

A Cultura Marajoara começou a ser estudada desde o final do século XIX, quando viajantes e naturalistas tomaram conhecimento da cerâmica funerária que era encontrada enterrada em grandes aterros artificiais. Os primeiros arqueólogos a estudar aqueles sítios foram os
americanos Betty Meggers e Clifford Evans que, impressionados com a cerâmica altamente elaborada e de ótima qualidade, e com a monumentalidade dos aterros construídos pelos índios, sugeriram, nos anos 1950, que aquele povo teria migrado dos Andes. Hoje
entende-se que a Cultura Marajoara originou-se localmente, a partir de um processo de mudança cultural que ocorreu entre as comunidades que já habitavam a
Ilha desde há 3.500 anos atrás.

Cultura Marajoara :Uma série de datações radiocarbônicas permitem situar o período de maior crescimento e expansão da cultura Marajoara entre os séculos V e XIV, colocando-a como a mais antiga fase da tradição polícroma amazônica, um estilo cerâmico caracterizado por uma cerâmica cerimonial altamente elaborada em forma e decoração (pintura preta e vermelha sobre branco, bordas ocas, uso de técnicas de modelagem, incisão e excisão), encontrada associada a enterramentos secundários e contextos rituais.

Os sítios arqueológicos típicos da Fase Marajoara caracterizam-se pela construção de monumentais aterros formados a partir de solo estéril arenoso retirado do leito de cursos d’água próximos ou das imediações do terreno, formando camadas intercaladas por estratos de ocupação contendo pisos de argila queimada, fogueiras, abundantes fragmentos de cerâmica e enterramentos. As poucas escavações arqueológicas bem documentadas levadas a efeito nesses aterros-cemitério no passado, contrastam com a grande quantidade de cerâmica cerimonial retirada por saqueadores e arqueólogos de fim-de-semana desde o final do século XIX, que fazem parte atualmente de impressionantes coleções públicas e particulares no Brasil, Estados Unidos e Europa. O bom estado de preservação da cerâmica no ambiente tropical, em contraste com a escassez de outros tipos de dados, faz com que os remanescentes cerâmicos sejam uma fonte privilegiada de informações sobre a Cultura Marajoara e as Culturas Pré-Históricas Amazônicas de modo geral. No entanto, a ausência de registro sobre os contextos deposicionais impõe limites sobre o caráter e alcance das inferênciasque se podem construir a partir de coleções museológicas.

Práticas Funerárias:Dados obtidos através de escavações arqueológicas indicam que os mortos eram enterrados em diferentes tipos de urnas, antropomórficas ou não, decoradas ou não, de vários tamanhos e formas, atestando tratamento diferenciado, como esperado para sociedades hierárquicas. Alguns “sub-estilos” identificados dentro do estilo característico da cerâmica Marajoara parecem estar relacionados a diferentes regiões dentro do domínio da cultura Marajoara, assim como a diferentes períodos cronológicos.


Os escavadores notaram que as urnas eram enterradas juntamente com outros objetos cerâmicos, como banquinhos, estatuetas, tangas, pratos, tigelas, vasos, vasilhas em miniatura, e em alguns casos objetos líticos como machados de basalto e adornos diversos. Um padrão repetidamente observado consiste no enterramento de ossos desarticulados, que teriam sido previamente pintados de vermelho, e então colocados dentro da urna de acordo com alguma ordem pré-estabelecida. O crânio teria sido colocado no fundo da urna, justamente sobre uma tanga decorada; os ossos longos, então, teriam sido colocados em seguida, antecedendo os menores. Objetos de cerâmica são comumente encontrados dentro ou ao lado da urna. Alguns parecem ter sido colocados sobre a superfície, uma vez que é provável que as urnas tenham sido
enterradas somente até a borda, e então cobertas por uma tampa (geralmente uma tigela decorada invertida), que restava então visível sobre o chão da casa.

A Cultura Marajoara não pode ser confundida com a Sociedade Marajoara.Apesar de existirem semelhanças culturais em termos de organização do espaço físico, técnicas arquitetônicas e construtivas, tecnologia de fabricação cerâmica e estilos decorativos, há diferenças importantes entre as comunidades identificadas com essa Cultura. A Sociedade Marajoara parece ter estado
dividida em regiões, politicamente relacionadas, mas administrativamente independentes. Existiriam então certo número de Cacicados, ou Unidades Políticas internamente hierárquicas, que dominavam sobre determinadas regiões. No contexto geral, estes Cacicados competiriam por prestígio e poder, dentro de uma estrutura supra-regional cujo funcionamento ainda não
compreendeu bem, dada a falta de pesquisas.



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